quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Língua maior


 
Gilles Deleuze


http://seer.ucg.br/index.php/guara/article/viewFile/2157/1329



É na leitura deleuzeana de Kafka que vemos o autor problematizar a noção

de literatura menor. Afinal, o que isso quer dizer? Deleuze esclarece-nos: "Uma literatura

menor não pertence a uma língua menor, mas, antes, à língua que uma minoria

constrói numa língua maior" (DELEUZE, 2002, p. 38). Desse modo, para Deleuze, a

literatura menor está relacionada a uma certa minoria que usa, cria e recria a língua

fazendo da mesma uma língua maior. Sem dúvidas, na Literatura brasileira, o mestre

Guimarães Rosa criou uma nova língua dentro de sua própria língua, fazendo de sua

escrita - arte uma literatura menor. Certamente um dos maiores escritores da ficção

universal que conseguiu com arte, beleza e sensibilidade arrastar o pensamento para

fora dos sulcos costumeiros da linguagem. É, sem dúvida, um gago de sua língua, pois

embaralhou os códigos da Sintaxe e da Morfologia e fez uma língua estranha e confusa

dentro da sua própria língua. É desse processo de criação invenção e re-invenção da

língua que Gilles Deleuze está falando. De um processo de criação maquínico da palavra.

Escrever significa colocar a língua em movimento, em salto, em devir. É, enfim,

colocar a língua na corda bamba, ou, melhor dizendo, na travessia.

Criar é gaguejar a língua. Tal gagueira não está relacionada a um sujeito e nem

a um objeto. Nem ao sintagma e nem ao paradigma e, sim, a um continuum amorfo


lingüístico da criação que funde o conteúdo na expressão, a língua na fala, a sincronia

na diacronia. A língua é um processo. É um devir intenso que povoa essa micro e

essa macro política da linguagem. Não se trata de obedecer a uma regra gramatical.

Trata-se de encontrar a língua de fuga, a desterritorialização absoluta da própria linguagem.

Trata-se de encontrar a zona de vizinhança e indiscernibilidade possível no

meio, intermezzo. Fazer da língua um salto, um diálogo com "o fora" significa driblar


os códigos, embaralhar, dificultar, confundir para pensar. Guimarães Rosa, Clarice

Lispector, Kafka, Goethe, Machado de Assis, Dostoievski, Tomas Mann e outros escritores

que ousaram na sua língua são de difíceis compreensões por isso: gaguejaram

a sua língua. Inventaram um povo que falta. Esse é o papel de quem escreve: inventar

um povo que falta. Tal invenção está ligada a um processo de pura luta com as pala

vras. É nessa luta à luz do dia com a palavra que o escritor é capaz de testemunhar a

arte e a vida. Carlos Drummond lutou com as palavras. Tal luta é a empreitada difícil e

perigosa de quem faz literatura. Ao escrever, não se escreve com palavras e, sim, com

fluxos, com devires, com intensidades, São matérias primas das palavras.

A palavra é o sopro da vida.

O homem fala continuamente. Mesmo quanto está calado. A linguagem é a

testemunha da vida na medida em que o escritor faz a língua vibrar, fende-a, arrasta-

-a e movimenta o pensamento em jogo infinito de luz e sombra, mostrando assim, o

lado obscuro e cavernoso das dobras da alma humana. É a literatura a quintessência

da vida. Quem escreve faz um pacto com a linguagem. Pactuar é dar um certo sentido

à vida. Escrever é dar sentido à vida. É a própria vida que flui na escrita e faz com que

o homem se redescubra e se reconheça no processo de criação. Criar é aligeirar, é descarregar

a vida. É inventar novas possibilidades de vida.

O homem, como que um barquinho jogado nas correntezas da vida, é forçado a

criar sua terceira margem através do processo de criação. Desde nasce, que é "jogado

no mundo", é desafiado a criar a sua morada através da linguagem. Tal travessia se

dá na medida em que ele se coloca à caminho da pergunta pela linguagem. Perguntar

pela linguagem é perguntar pela vida, Desse modo, Literatura-linguagem e vida

formam uma trilogia, um único platô que compõe esse complexo agenciamento que

chamamos de arte Literária. É abusando e lambuzando com a linguagem que cada escritor

é capaz de fazer um mundo possível emergir. A literatura é um agenciamento

político. É uma máquina de guerra.

Deleuze, em seu Kafka apresenta três conceitos que se acoplam nesse agenciamento


literário que une conteúdo e expressão: a linguagem, o político e o colectivo.

No entendo, uma das características de uma literatura menor para Deleuze, é que

nela tudo é político, pois todas as questões individuais têm uma forte relação com a

política. A escritura roseana está intimamente relacionada com a política. É toda uma

política que povoa as veredas de Rosa. Riobaldo é jagunço político porque especula

ideias, abraça o logos, a palavra. A outra característica é que tudo toma um valor colectivo.

É desse modo que segundo Deleuze:




É a literatura que se encontra carregada positivamente desse papel e dessa

função de enunciação coletiva e mesmo revolucionária: a literatura é

que produz solidariedade activa apesar de cepticismo; esse o escritor está

à margem ou à distância de sua própria comunidade, a situação coloca-o

mais à medida de exprimir uma outra comunidade potencial, de forjar os
meios de uma outra consciência e de uma outra sensibilidade (DELEUZE,


2002, p.40).

É dessa maneira que Deleuze encara a literatura: a partir dessa trilogia linguagem-

político- colectivo. Quando Deleuze aborda a obra de Kafka, o autor a encara como

uma Toca, um rizoma de entradas múltiplas. Foi dessa maneira que os escritores de

nosso tempo conseguiram fazer da linguagem e da vida uma corrente contínua. É essa

busca das pressões secretas da obra de arte que faz com que o leitor entre nessas zonas

de intensidades com o pensamento. Assim, a busca dos signos consiste no aprendizado

e na busca da verdade. Para isso, é preciso um esforço da memória no passado e no

presente para que haja um aprendizado na busca contínua do signo que remete a uma

resposta ou a uma explicação que procuramos.

Na ótica deleuzeana:



 A verdade não é descoberta por afinidade, nem por livre arbítrio, ela se

trai por signos involuntários. A pessoa só busca a verdade quando se sente

forçado a procurar a verdade. O signo é objeto a ser interpretado, decifrado,
traduzido e encontrar o sentido do signo (DELEUZE, 2003, p.9).


Buscar a verdade é se redescobrir no tempo e não "perder tempo". A revelação

final de que há verdades a serem descobertas nesse tempo que se perde é o resultado

essencial do aprendizado. Nunca se sabe como uma pessoa aprende, mas a forma em

que se aprende é sempre por intermédio de signos, perdendo tempo, e não pela assimilação

de conteúdos objetivos.

(...)

Em Deleuze, a linguagem não se separa da vida. Ela faz dobra, desdobra e redobrar

o pensamento ao infinito. Não existe comunicação individual, é preciso ter

uma relação entre sujeito para que aconteça a coletividade de palavras ao meio social

a linguagem entre ambos. Há um conjunto de corpos que define o real do imaginário,

assim valorizando a fala de alguém no discurso direto, ao ouvinte e o que fala. Nesse

sentido de que a linguagem é mais precisamente a transformação dos povos na realidade

dentro da sociedade que necessariamente precisa se comunicar entre si. A palavra

de ordem existe em todos os momentos em que pronunciamos algo, é preciso organizar

os pensamentos e proferir palavras no ato de falar alguma coisa. Na sociedade

acontecem variações de acontecimento de agenciamento que determina situações que

atribui transformações e que exerce poder na vida das pessoas. Esses acontecimentos

são inevitáveis no mundo das relações humanas. Por isso ao expressar palavras temos

que ter conhecimento verdadeiro a ser lançado fora, ou seja, a ser transmitida a outra

pessoa.

Segundo Deleuze (2003, p. 11):

A linguagem exerce poder e autoridade, sobre nossos alunos. O professor

quando fala, ele ‘ensigna’, da ordem, comanda. A linguagem não é feita

para que se acredite nela, mas para obedecer e fazer obedecer. A linguagem

não é a vida, ela da ordem à vida, a vida não fala, ela escuta e guarda.

Observe que a fala exerce poder na vida das pessoas. Até mesmo na Bíblia Sagrada,

na lei de criação do mundo, Deus usa o poder da palavra. Fez, e aconteceu.

Isso porque o homem é porta voz do logos, ou seja, da razão. O mundo foi criado

pelo poder da linguagem e da palavra. Ela tem um poder imenso na vida de alguém

ou do que se fala. A fé vem por ouvir a palavra de Deus. Olha como a linguagem a

fala é poderosa. Ao falar algo ou discursar é preciso planejar e organizar as palavras,

antes de emitir. A linguagem pode ser definida pelo conjunto das palavras de ordem,

pressupostos implícitos ou atos de fala que percorrem uma língua em um dado momento,

seja no momento político, social, sentimental. Devemos ter muito cuidado

com o que falamos, pois a linguagem destrói e edifica. O poder da fala é tão grande

que ela mata um ser humano, depende da situação ou da fala. A fala de uma pessoa

muda tudo, pode até mesmo ser julgado ou muda o estado do indivíduo, depende de

caso a caso. A palavra expressiva de ordem faz mudar a natureza, aos quais se atribui

a transformação ou destruição.

Ao formalizar um matrimônio, entre um homem e uma mulher eles estão mudando

seu estado civil de solteiros para casados. O poder da fala do escrivão ou do pastor

entre as pessoas presente no ato cerimonial muda seu estado civil, perante a lei de

Deus e do homem. A frase é está; eu vos declaro marido e mulher, ou seja, "casados".

E o que Deus uniu, não separa o homem. Observe que a linguagem do pastor e do escrivão,

são as mesmas palavras com os mesmos significados. O discurso planejado e

as falas são as mesmas no tocante do acontecimento social durante a cerimônia. Sendo

assim, realizado a cerimônia matrimonial, ela muda toda a vida de duas pessoas,

e começa uma nova vida, e dando início a uma nova família. Tudo isso com o poder

da palavra. Um conjunto de palavras que formou um discurso direto formalizando e

unindo duas vidas. Uma mudança de comportamento entre duas pessoas e duas famílias,

envolvendo várias pessoas. Quando demoramos ao pensarmos em algo, para emitir

palavras, estamos organizando a fala e dando sentido ao "signo" a ser emitido. Ao

escrever um discurso político é necessário organizar um discurso direto e ao mesmo

tempo indireto, formal e informal, com um significado ao seu objetivo a ser alcançado

com esse discurso. Essa é a regra da linguagem a ser expressa.

A linguagem é aprendida e, nesse sentido, somos obrigados a ir das partes ao

todo. Aprendemos a falar de início a linguagem positiva, na tentativa de se comunicar,

dando sentido aos signos. As palavras fonéticas e as variações de palavras que recebeu

no princípio. No início de sua formação lingüística, as palavras são apenas para comunicação.

Como o espaço de tempo o indivíduo vai aprimorando, aprendendo novas palavras,

dando sentido aos signos. Novas expressões, como maneira única de utilizar-se

da palavra. Só a língua como um todo permute compreender e atrair um turbilhão de

palavras na tentativa de se verbalizar por si mesma. A linguagem formal e sintaxe, e

irão enriquecer-se realmente e verbal através do estudo da língua em um todo e com

o aprimoramento verbal. A cultura da linguagem nunca está terminada, ou que data

nosso saber. Sempre aprendemos novos signos, que não pode ser posto a parte, que no

futuro será mais compreensiva.

No tocante à linguagem, só tem sentido com a relação entre signos e seu significados

as palavras. O signo está totalmente envolvido na linguagem, a palavra intervém

sempre de outra palavra. Nunca é limitada a não ser pela própria linguagem, tanto

para aquele que fala, ou para quem ouve. O sentido é o movimento total da palavra,

e é por isso que nosso pensamento demora-se na linguagem. A linguagem vai além dos

"signos" rumo ao sentido dele. Os sentidos dos signos só aparecem no intervalo das

palavras.

Por isso não existe comunicação individual ou enunciação individual. Existem

necessariamente a linguagem de caráter social da enunciação coletiva. A linguagem

não consiste apenas em comunicar o que se viu, mas um transmitir o que se ouviu o

que o outro disse. A linguagem é transmitir conhecimento, trocar experiência ao mes

mo tempo. É preciso formalizar a linguagem ao pensamento no sentido de emitir palavras

indesejáveis ao receptor.

Para percorrer tal empreitada linguística, é preciso, primeiramente estabelecer

a relação entre "signo, verdade e aprendizado" em um costura prodigiosa de signos.

Em um outro momento, "A linguagem indireta e as vozes do silêncio" acopla-se a uma

discussão filosofia que pretende levar o silêncio ao extremo com o linguístico. Logo

adiante, "A linguagem e o grão da voz" são rumores emitidos pelos signos pelo viés de

Roland Barthes. A polifonia do ato de ler é um giro dentro de um discurso linguístico

que é aberto às várias possibilidades de olhares, envolvendo a decifração e interpretação

de signos ou hieróglifos.

Destarte, é tendo a linguagem como testemunha da vida que podemos aliar Literatura

e Filosofia que são filhas do mesmo caos, da mesma gestação, pois é a vida

que está em jogo tanto da Filosofia da Diferença que apela para arte como potência de

criação, como a Literatura que é em si o signo e a maior voz da diferença. O que isso

quer dizer? Essa será nossa próxima dança.

(...)

É bem verdade que Deleuze, em Proust e os Signos fala da superioridade da arte

em relação até mesmo á Filosofia. Para o pensador da Diferença, muito mais que a

Filosofia é a poesia. É na arte que todos os signos se fundem: os signos mundanos, os

amorosos e os dos ciúmes. A Literatura, desse modo, transforma-se numa prodigiosa

máquina de signos. Do tempo perdido ao tempo redescoberto é toda uma maquinaria

que emite signos e nos forçam a pensar. Assim, temos a literatura como forte pensar,

pois é a potência e a metamorfose da vida. A Literatura não somente potencializa a

vida, como é ela mesma a vida transfigurada. É a Literatura a arte da diferença, pois

trata-se do mundo virado de cabeça para baixo, onde cada escritor tem o poder de potencializar

a linguagem e gaguejar o mundo de uma outra forma, apelando assim, para

um povo que ainda falta.

 

Uma pergunta inevitável e necessária que devemos fazer é em que sentido podemos

afirmar que Gilles Deleuze é um filósofo da diferença? Quando falamos em

diferença o que estamos levando em consideração? Ora, Deleuze é considerado por

alguns de seus estudiosos um filósofo que cria monstros nas costas de outros filósofos.

Tentou assim, embaralhar os códigos do pensamento e com isso, nos forçar a pensar.

A força do pensamento em Deleuze encontra sua gênese no ato de pensar do próprio

pensamento. Com isso, ele desfaz toda idéia de representação clássica e nos inspira a

criar uma nova maneira de pensar. Um pensar criativo, um pensamento artista. Um

pensamento-acontecimento que se transforma em uma verdadeira potência ou máquina

de guerra. Devemos a ele essa nova concepção de diferença que está por sua vez,

além das dicotomias, além do ser e do ente, pois se desterritorializa, se bifurca, formando

um gigantesco leque de dobras. É um pensamento que opera por dentro e por

fora, sem começo e sem fim, como um rizoma, um pensamento raiz, caosmo - radícula

que brota de dentro para fora.

É pensar por estratos, linhas de fuga, buracos negros, dobras, rizomas, ritornelos. É inventar novos

territórios desertos, estriados, lisos. É criar um pensamento que nunca foi e nunca

será. É criar uma nova imagem do pensamento. Um pensamento sem imagem. Pensamento

vampiro por excelência. É o devir-intenso do pensamento. É como uma bruxa

que pega sua vassoura e vai para longe. Para o deserto, como fez Guimarães Rosa que

começou o sertão "Nonada" e nos fez "remexer vivos" com sua escrita diabólica. Pensar

o impensado é o maior desafio de quem quer fazer a diferença. Rir de nós mesmos e dos doutores da finalidade da existência. Enfim, trocar a

confiança pela desconfiança e é do conceito que primeiro devemos desconfiar. Assim,

a pedagogia conceitual deixa um caos surgir dentro de si para surgir uma estrela brilhante,

lembrado o mestre Zaratustra. É desse caos que surge o pensamento.

Disso nos mostrou Guattari em Caosmos ao nos mostrar a potência de um novo


paradigma estético que, segundo ele, "tem implicações ético-políticas" (GUATTARI,

1992, p.137), pois quem fala em criação fala em uma política da responsabilidade da

instância criadora em relação à coisa criada. Fala sim, em produção de subjetivação

criadora, em invenção de novas possibilidades de vida.
. É do caos que inventamos e re-

-inventamos a vida e damos um sim a ela. O mundo nos emite signos e nós somos os seus

decifradores. Depois de Nietzsche, tudo é interpretação, é uma disposição do olhar. Assim,

Nietzsche, Deleuze e Foucault e certamente Derrida, formam uma dinastia. São filósofos

da fronteira com o pensamento. Da margem entre a Filosofia e a Arte. São arquitetos

das palavras, das coisas, da linguagem, da criação. São filósofos que criaram uma

nova imagem do pensamento, que é um pensamento sem imagem. Dessa forma, um

pensamento esquizo rompe com a clausura, desconstrói o pensamento, lembrando brevemente

Derrida e opera um novo corte no caos. Um corte que, sem dúvida toda história

da Filosofia não conseguiu digerir. Sair da clausura do ser e do ente é uma difícil empreitada

que a tradição não conseguiu romper, pois, sabemos, dos gregos a Heidegger, a linguagem,

a pergunta é a mesma, pelo Ser que ficou no esquecimento. Fazer vazar, limar o

muro, escorrer entre fluxos e cortes, desterritorializar, desertificar o pensamento, devir

intenso, acontecimento, nomadismo, acelerar o pensamento, dar velocidade infinita

aos conceitos e ao pensamento, sair da casa do ser, ser nômade, errante, transgressor,

maldito, debandado, máquina de guerra, enfim, são apenas algumas palavras que

compõem o mapa deleuzeano de pura invenção de conceitos.

Em outras palavras, a Filosofia somente tem sentido quando estiver relacionada

à vida, pois Deleuze reconhece que a Filosofia, assim como a Literatura, são testemunhas

da vida. A vida ativa o pensamento e esse, por sua vez, afirma a vida. Filosofar

não é repetir conceitos, idéias e sim, celebrar a vida e fazer dela uma manhã de festa.

Dar as mãos para Dioniso e tornar artisticamente a vida mais suportável. Nietzsche já

havia nos mostrado em O Nascimento da Tragédia que a arte está relacionada a esse


duplo impulso da natureza que é o apolíneo e o dionisíaco, pois Dioniso é tudo o que se

afirma, é o dançarino, a desmedida, é a alegria, é o prazer e Apolo, como o poder da individuação,

é a medida justa, a "bela aparência". Assim, apesar de viverem em intensa

discórdia, Apolo não existe sem Dionísio. A arte então, para Nietzsche e, certamente

para Deleuze, é uma espécie de tônica vital. É uma forma de intensificar e embelezar

a vida. Assim, os signos da arte são superiores ao conhecimento, pois a arte afirma a

vida e o conhecimento a aniquila. Enfim, somente aprendemos quando deciframos as

pressões secretas da obra de arte.

Dessa maneira, o móbil que povoa o pensamento maquínico é o da criação e da


invenção de novas possibilidades de vida. Parece chegarmos a concordar com Michel

Foucault ao dizer que um dia, talvez, nosso século será deleuzeano. Chegar a esse século

implica uma virada na tradição para sairmos da Filosofia pela própria Filosofia.

Essa é a linha de fuga, é a política da dobra dos Signos e da subjetivação criadora, da

diferença e da eterna repetição do mesmo. Chegar a esse século é fazer da vida uma

verdadeira obra de arte. Significa enfim, ter uma sensibilidade diante dos signos da

arte, da Filosofia e da vida e afirmá-la no que ela tem de mais cruel e a aterrorizador

e no que ela tem de mais belo, petulante, reluzente, flutuante e movente. Somente

assim, podemos ser capazes de inventar um mundo que ainda falta: sendo gagos de

nossa própria língua e, nessa gagueira, afetar o outro com nossos signos violentos,

plurais e secretos. A Filosofia , assim como a Literatura, é uma verdadeira "prosa do

mundo", diria Foucault que está por ser feita pelo "demônio da criação". Mas elas

são, acima de tudo, prodigiosas máquinas de emitir signos. Ambas têm seus signos

próprios e maneiras próprias de nos afetar. Cabe a nós decifrar esse leque de signos

que dobram, desdobram e redobram ao infinito.

Dito de outra maneira, é a literatura a soberana do homem. Isso porque, ao se colocar

à caminho da linguagem, o escritor, artista e tecelão da palavra, mostra o mundo,

velando e des/velando ao mesmo o enigma da vida. A literatura como potência, é

signo da diferença, pois a arte da palavra é a eterna casa de quem testemunha a vida,

mostrando assim seus múltiplos signos, verdades e aprendizados que não são da arte e

sim, da própria vida.

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